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A Colheita da Meia-Noite
O sol poente tingia de vermelho o céu sobre o interior de Minas Gerais quando Jonas desceu do ônibus poeirento que o deixara à beira da estrada. Diante dele, um caminho de terra se estendia até a antiga Fazenda da Serra Branca. Fora contratado para trabalhar como caseiro e cuidar da propriedade isolada. O salário era bom e ele precisava urgentemente recomeçar a vida.
O casarão colonial se erguia imponente, de janelas escuras e telhado coberto por musgo. Um senhor magro, de rosto comprido e olhos fundos, o recebeu.
— Seja bem-vindo, seu Jonas. Eu sou o Sr. Alencar. A casa agora é sua responsabilidade.
A propriedade era enorme, com um curral abandonado, galpões trancados e um vasto milharal que parecia nunca parar de crescer. Alencar desapareceu logo após apresentá-lo ao lugar, deixando apenas um aviso:
— Nunca saia depois da meia-noite. E não entre no celeiro do fundo. É velho e perigoso.
Jonas estranhou o tom grave, mas não fez perguntas. Nas primeiras noites, o silêncio reinava absoluto. Até que, na quarta madrugada, acordou com sons abafados — cânticos em latim e passos pela terra seca.
Curioso, esgueirou-se pela varanda e viu figuras encapuzadas caminhando em direção ao celeiro proibido, cada uma carregando uma vela acesa. O medo o paralisou. Pela fresta das tábuas da casa, observou tudo sem ser visto.
Na noite seguinte, os cânticos voltaram, e ele decidiu segui-los. Escondeu-se entre os milharais e se aproximou do celeiro. Lá dentro, viu um altar improvisado, círculos riscados no chão, e uma espiga de milho envolta em sangue no centro de tudo. O líder do culto ergueu uma faca e murmurou:
— A colheita exige sacrifício. E esta terra ainda tem fome.
Jonas recuou, mas pisou num galho seco. O estalo ecoou como um trovão. Os encapuzados se voltaram na direção dele.
Correu. Correu como nunca havia corrido. Só parou ao chegar à estrada, onde jurou nunca mais retornar. Dias depois, ao relatar o ocorrido na delegacia de um vilarejo próximo, riram dele.
— Essa fazenda está abandonada há mais de vinte anos, moço. O tal do Sr. Alencar morreu em 1998, durante um incêndio no celeiro. Tentaram acabar com aquele culto maldito, mas dizem que... a terra ainda não foi saciada.
Jonas deixou o vilarejo no mesmo dia. Mas, às vezes, nos sonhos, ainda ouve os cânticos. E quando acorda, encontra sempre uma espiga de milho em sua janela — fresca e ensanguentada.