Estréia de ‘Batman’ levanta questão: o Coringa levou Heath Ledger à morte?
Quando o ator Heath Ledger foi encontrado morto em seu apartamento, em janeiro deste ano, Jack Nicholson reagiu com uma gargalhada à la Coringa e o seguinte comentário: “Eu o avisei!”.
Agora, com a chegada de “Batman – O cavaleiro das trevas” (assista ao trailer) aos cinemas e a revelação da macabra atuação de Ledger como o Coringa, o comentário de Nicholson (que interpretou o vilão em 1989) se faz mais pertinente do que nunca. Para o público que confere o novo “Batman”, fica a inevitável pergunta: será que o Coringa levou Heath Ledger à sua trágica morte?
Heath Ledger como o perturbado Coringa de ''Batman - O cavaleiro das trevas'' (Foto: Divulgação)
Poucas semanas antes de sua morte por overdose acidental de medicamentos, Ledger revelou à imprensa que, durante as filmagens de “O cavaleiro das trevas”, tinha dificuldades para dormir à noite. “Não conseguia parar de pensar; meu corpo ficava exausto, mas minha mente continuava”, disse o ator em entrevista ao “New York Times” em novembro.
O ator Aaron Eckhart, que atuou ao lado de Ledger no novo “Batman”, conta que o papel do Coringa teve um impacto negativo sobre o ânimo do colega. “Eu via Heath como um ator brilhante e também como uma pessoa muito alegre quando ele não era o Coringa, antes ou depois do trabalho. Mas atuar é algo que te consome totalmente e tenho certeza de que Heath teve de pensar em coisas que não eram sempre agradáveis”, disse Eckhart em entrevista ao G1 por telefone.
“A piração é interna, não tem nada a ver com o personagem”, diz o psiquiatra e psicanalista Luiz Alberto Py, que nega a teoria de que o chamado “efeito Coringa” teria levado Ledger ao suicídio. “As pessoas têm problemas de dentro para fora, não de fora para dentro”, argumenta o especialista.
Personagens intensos
Entretanto, são muitas as lendas de atores que mergulharam tão fundo em determinados personagens que colocaram em risco sua própria saúde mental. Uma das histórias mais famosas é a de Malcom McDowell, protagonista do clássico futurista “Laranja mecânica”, de Stanley Kubrick.
Malcolm McDowell em cena de "Laranja mecânica": "É claro que fui prejudicado" (Foto: Divulgação)
Após interpretar o criminoso ultraviolento Alex, que na trama é submetido a um tratamento psicológico perturbador, McDowell se entregou ao vício em cocaína e chegou a ser internado em clínicas de reabilitação.
“Kubrick era o tipo de pessoa que espremia o ator até que ele enlouquecesse, e quando o filme terminava, virava as costas. É claro que fui prejudicado; larguei minha alma naquele filme”, disse McDowell, em 2004, numa entrevista ao jornal britânico “The Guardian”.
No cinema brasileiro, também há casos de atores que se deixaram levar pela intensidade de um personagem. Wagner Moura, por exemplo, descreve sua experiência na pele do célebre Capitão Nascimento como “um massacre psicológico”. “Foi a experiência mais louca que tive na minha vida”, disse o ator em entrevista ao G1.
O ator e quadrinista Lourenço Mutarelli é outro que explorou os limites de sua saúde psicológica ao mergulhar num papel, no caso, o protagonista de “O natimorto” -- filme baseado na obra do próprio Mutarelli. “Na história, o personagem tem ataques epiléticos, e eu achei que era legal misturar as coisas, deixar que ele invadisse minha cabeça”, conta.
Durante as filmagens, Mutarelli passou quatro semanas praticamente enclausurado em um quarto, atuando por mais de 14 horas por dia. “Não tinha mais vida e cheguei a emagrecer nove quilos. Depois de um certo ponto, quis ficar morando no set direto, achei que precisava sentir na pele a loucura do personagem, mas as pessoas começaram a ficar com medo.”
Sair do personagem
Para o Mutarelli, o mergulho no personagem não terminou com as filmagens. “Levei o roupão do figurino de presente e até hoje uso em casa direto, é como se o personagem continuasse em mim”, afirma.
A atriz pernambucana Hermila Guedes também enfrentou dificuldade para “sair do personagem” depois da rodagem de “O céu de Suely”, de Karim Aïnouz. “A volta para casa é dura; durante umas três semanas ainda me comportava como a personagem, olhava o mundo com os olhos dela, sentia o cheiro dela nos lugares. Era como se a vida não tivesse mais graça”, diz Hermila, que no filme divide seu nome com a personagem.
Porém, tanto Hermila quanto Mutarelli e Wagner Moura afirmam que em nenhum momento temeram perder o controle da situação. “Sou um ator que gosta de se submeter a esse tipo de experiência, é o meu trabalho e faço com satisfação”, diz Wagner. “Interpretar um personagem intenso pode ser perigoso, mas só para um ator que já tem uma vida vazia ou que passa por um momento ruim”, diz Mutarelli.
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