Era verão, mas assim, aqueles começos de manhã meio frios, meio estranhos, bem nublados e com nuvens pesadas. Tinha acordado de um sonho colorido que não conseguia lembrar direito, e meu cérebro fazia o favor de não me deixar dormir de novo. Não passava de 15 graus, e eu não sei porque eu fui dar uma volta. Não tinha ninguém pelas ruas, tudo vazio. Eu só ouvia os pássaros gorjeando, trinando e cantando diversos tipos de sons. Era bonito de certo modo, mas não é algo que me prende muito. E eu tava com frio. Estava só com uma camiseta de dormir, casaco fino e shorts de boxer. Fiquei dando voltas pelas ruas pra dentro da minha, por onde eu nunca tinha estado. Cidade tão pequena, e eu simplesmente nunca, nunca tinha andado direito pelo meu próprio bairro. Em certo ponto da minha caminhada, eu já nem sentia tanto frio, e até amarrara o cabelo com um galinho fino que encontrará no chão. Tinha andado 30 minutos, e tinha encontrado uma parte meio distante de casas, tipo uma reserva, onde um grande grupo de árvores circulava um lago de coloração escura. Era bem largo o lago, tipo uns 25 metros de largura e o triplo de comprimento. Me sentei em baixo de uma dessas árvores e fiquei observando um pato na beira do lago. Ele meio que tremia, e parecia não ter coragem de entrar na água gelada. Ainda não tinha sol e tinha um vento meio cortante correndo entre as árvores e tremulando o lago. Fique um bom tempo observando o pato. E pensando o quanto eu era idiota de levantar da cama num domingo de manhã de verão. Levantei a cabeça, e olhei pra outra margem do rio. Havia uma criança lá. Uma menina. De vermelho, na beira do lago, que nem o pato. Balançava lentamente pra frente e pra trás nos seus próprios pés que pareciam descalços. Brincava sinistramente com as mangas compridas do vestido vermelho. Os cabelos castanhos cacheados voavam com o vento, na frente do rosto, só que o mesmo voltado pra baixo, como se olha-se o próprio reflexo na água. Eu apostaria alto que essa lago não era nada raso. Me levantei e fiquei ainda olhando pra ela. Balançando, preguiçosamente. Eu queria dizer algo, abri a boca e parecia que ela sabia que ela sabia que eu ia o fazer. Levantou o rosto (mesmo que não possível de eu ver direito nada, além de seus lábios pequenos e rosados) e quase sorriu pra mim. Eu sei que era difícil de dizer se ela estava ou não sorrindo pra mim dessa distancia mas eu meio que "senti" que ela o fazia. "Shhh. Não se meta do que não é da sua conta" Ela sibilou. Eu juro que sibilou. Eu vi os lábios se mexendo. Eu ouvi, claramente nos meus ouvidos, como se sussurrasse, só pra mim. Engoli a seco, e ela sorriu. Claramente sorriu entre seu cabelo bagunçado, com seu vestido de veludo vermelho sangue. E então ela pulou na água. E afundou, e o lago tremeu, e se suavizou em segundos. Foi num piscar de olhos e ela não estava mais ali. Mordi o lábio, me sentindo meio apavorada, e dei um passo pra trás, mas senti minhas costas bater em algo, me desequilibrei e cai sentada, cerrando os olhos. Eu falei, eu implorei a mim mesma que eu continuasse com os olhos cerrados, enquanto estivesse com a grama contra o meu rosto, caída na beira do lago. Mas eu não me obedeci. Eu abri os olhos e vi pés infantis, sujos de lama, e um vestido de veludo pingando água. Eu não vi, mas com certeza senti um sorriso parando no ar. Porque eu não continuei dormindo naquele domingo de manhã?