Um sonho anda atormentando minha cabeça nos últimos dias. No começo estou me observando dormir. A luz da manhã entra pelas frestas da cortina, iluminando minhas paredes azuladas. Estou deitada de uma forma desconfortável, meio torta, com a cabeça posta pra trás. Mas durmo em um sono tranquilo. Vestida por uma blusa preta e calcinha da mesma cor, me mexo até me ajeitar em uma posição normal, de barriga pra baixo. Me assistir ali, é incomodo. Me sinto incomodada por me ver dormir. Isso me da um impulso de gritar: - ACORDE! A voz que sai de minha boca, não é minha, e eu, na cama, acordo de um salto, assustada. Agora, não sou mais a plateia de meu sono, e estou de volta ao meu corpo. Rodeio meu quarto com os olhos, observando cada canto do meu quarto da onde vinha o grito. Nada. Me levanto, muito rápido, fico tonta, a visão foca preta por uns instantes e então tudo volta ao normal. Vou andando pelo corredor em direção a sala, mas a casa parece um pouco diferente do habitual. Mas isso não me incomoda. As cortinas da sala estão fechadas, e vejo meu pai, sentado de costas pra mim vendo televisão. “Vendo”. Pois há só estática ali. Chamo por ele varias vezes. Não sei se é minha voz que não funciona, ou se ele não me responde, não há som nenhum na casa depois do grito que me acordou. De novo, minha percepção do sonho muda, e meus olhos, a minha visão vem da televisão. Como se eu fosse a televisão assistindo meu pai. E ele está coberto de sangue, com a barriga aberta e suas tripas caídas no carpete branco da sala. A boca aberta, e os olhos bem abertos, esbugalhados, fixando o olhar em mim... Digo, na televisão. Me vejo logo atrás de meu pai , indo em direção a ele, vendo meus lábios se moverem mas não há nenhum som. E então meus olhos voltam pro meu corpo. Inconscientemente, já sei o que vou ver, então dou um passo pra trás. A curiosidade, a maldita, é mais. Corro até meu pai, toco-lhe o ombro e ele cai de lado, com as tripas gotejando o chão, a língua caindo fora da boca, numa mistura de sangue e saliva. Ele fede. Os olhos vidrados. Saio correndo, e mesmo que me lembre do chão da minha casa ser muito barulhento, nem um som é feito. Meus gritos, meu choro, não são nem sequer ouvido por mim mesma. Correndo pelo corredor, entro no quarto de minha irmã, quase que pra fugir da realidade. Ela só tem 5 anos e seu quarto é coberto por castelos, coisas de princesa e contos de fadas. Assim que fecho a porta, e olho para o centro do quarto, pendurada pelo lustre que imitava aqueles de castelo antigo, esta ela, enforcada, roxa. Assim como as pernas dela, penduradas, fracas, sinto as minhas amolecer. Os olhos dela se fixam no meu, enquanto seu pequeno corpo balança morbidamente. Uma gota de sangue escorre pelo canto dos lábios dela. Recupero a minhas pernas ,esticando a mão tremulas, abro o trinco da porta que imitava um grande diamante. Me arrasto pelo corredor até sentir que podia correr novamente. Minha mãe. Corro para o quarto dos meus pais, abro a porta um pouco temerosa, mas não há nada. A cama está feita. As janelas estão com a cortina aberta, e o sol banha o quarto. É a primeira vez que eu vejo o sol, depois de acordar. Respiro fundo, e quando estou pra sair do quarto, vejo a porta do banheiro entre aberta. Meus olhos marejam pois já sei o que vou encontrar. Empurro a porta do banheiro com uma das mãos, enquanto seguro meu estomago com a outra, relutante pra não vomitar. Dentro da banheira, uma banheira cheia de sangue, está minha mãe afogada, deitada de costas, nua. O corpo inchado e arroxeando, e os cabelos castanhos longos dançando na água de sangue suavemente. Á agua vermelha, cheirando a ferrugem escorre lentamente pelas bordas da banheira, e chegam até meus pés. Corro de volta até o corredor. Um silêncio mortal. Atravesso a porta da frente, e olho pra rua. Não existe nada a não ser uma rua reta e infinita de chão batido, onde era pra afinal ter uma rua movimentada. Isso não está certo. - ACORDE!