Todo mundo corria em uma só direção, o desespero era estampado no rosto como uma tinta permanente. Eu não entendia nada do que estava acontecia, e só acompanhava aquela manada enorme, desgovernada, desesperada e barulhenta. Minha mãe expressava o mesmo medo e tristeza no rosto, mas pra mim, o dela parecia muito pior do que qualquer outro adulto ali. As outras crianças, assim como a mim não entendiam muito bem, e na maioria das vezes só ficavam chorando, ou chupando seus dedos. Já eu, um garoto totalmente comportado só ficava com a mão dada com a minha mãe, correndo o mais rápido que meus pézinhos conseguiam para acompanha-la e o resto dos animais enfurecidos. Haviam pouca luz: o que tinha vinha de lanternas nas mãos de homens e mulheres fardadas, celulares nas mãos das pessoas, e helicópteros com lanternas gigantes que apontava para todos os lados. No meio da correria ouço uma explosão do outro lado da cidade, da parte que estávamos deixando. Por alguns segundos, longos segundos todos fazem silencio e param de correr, ficam observando a grande bola amarela de fogo que cobria alguns prédios. Não sei bem o que foi que despertou de volta a manada a correr novamente, mas tenho certeza que foi o choro de todas as crianças em coro no momento. Agora todos estavam loucos. Batiam um contra os outros, pra correr mais rápido, empurravam, e eu me apertava entre as milhares de pernas, segurando com dificuldade a mão de minha mãe. Eu já nem conseguia ver seu rosto, e isso me deixava desesperado. Chorei também. Mas chorei mais quando meus dedos soltaram a mão de minha mãe e ela gritou meu nome, isso eu lembro direitinho. Soou triste, porque ela sabia que nunca mais na vida me veria. Eu não sabia ainda daquilo. Foi rápido, um homem baixo, com uma menina no colo e uma que devia ser mais velha que eu, com uns 10 anos me viu chorando entre a multidão e me resgatou, dizendo que tentaria encontrar meus pais. Isso nunca aconteceu. Outra explosão, não tão grande, mas bem mais perto. No fim da manada. Gritos horrendos, desesperados, e pela primeira vez na minha vida, aos 6 anos eu senti o cheiro da morte. Ela também sentiu o meu cheiro, e bem de perto. Mas eu corri com os animais desesperados, com uma esperança de sobrevivência impossível.