Quando mais novo, entre o fim dos anos setenta até o final dos anos oitenta, mudei de casas muitas vezes. Variando de duplex, casas com grandes quintais, sem quintais, alugadas, compradas, apartamentos, trailers, hotéis e entre outros lugares, meus pais não se mudavam porque meu pai recebia grandes promoções ou porque minha mãe era uma escritora renomeada que queriam ela por todos os cantos do país, não. Nós só nos mudávamos porque era assim que meus pais gostavam de viver. Não se apegavam a lugares, amigos ou empregos. Tinha ido a algumas escola, mas nunca tinha dado muito certo, então aprendia com meus pais, livros e todo o tipo de gente que conhecia. Gostavam de conhecer lugares e gente diferente, e pra mim isso nunca foi uma coisa ruim como é para a maioria das crianças. Eu não era deslocado ou tímido. Muito pelo contrário, gostava de fazer amizades por cada canto que passávamos, não importava idade, cor ou raça, eu sempre estava envolta dos amigos que meus pais faziam e as crianças curiosas que sempre rodeavam a gente por sermos novos nos respectivos locais. Há muitos lugares especiais no meu coração, onde eu aprendi coisas que nunca vou esquecer. Mas nada foi tão marcante pra mim quanto a garota da chuva. Eu devia ter por volta dos meus 13 anos quando meus pais compraram o nosso primeiro motor home. Tínhamos permanecido em uma cidade pequena por quase 1 ano inteiro para que eles conseguissem juntar dinheiro para comprar o motor home e para que pagasse a gasolina e outras dispensas de viagem. Eu estava muito ansioso para essa viagem, porque já tinha me acostumado a me mudar mais ou menos a cada 3 meses, e 12 meses em um solo só estavam me deixando, ao contrario das pessoas que sentem falta de suas casas, estava doente por uma casa nova. Viajamos por 3 dias direto, meus pais trocando de direção a cada 12 horas para que um pudesse dormir e comer alguma coisa. Eu estava dormindo quando chegamos a um estacionamento de motor homes, que tinham mais de 20 estacionados totalmente desorganizados. Foi o barulho quente de pessoas falando e rindo que me acordaram do sono pesado no pequeno sofá que eu tinha me escorado. Era bom, eu gostava desse tipo de gente, calorosa e acolhedora. No último lugar que tínhamos estado pelo ano inteiro todo mundo era muito tedioso e não tinha muito o que contar e acrescentar em nossas vidas. Talvez tenha sido bom até, porque dessa forma aproveitei a estada no estacionamento muito mais. Desci de nosso motor home sorrindo procurando onde meus pais estavam, mas nãos os vi de primeira. Havia uma grande mesa estendida na rua e todos comiam, bebiam e tagarelavam sem parar. Alguns comiam de pé, outros estavam nas churrasqueiras alinhadas, outros tocavam violão e alguns cantarolavam canções sem sentidos. O calor deixava o que estava amostra das pessoas vermelho e descascado, e o cheiro de churrasco e felicidade era ótimo. Depois de alguns minutos conhecendo alguns "vizinho", encontrei meus pais sentados em uma toalha conversando com uma mulher, o qual era chamada carinhosamente de Baba, que eu chutei ter uns 70 anos por sua aparência, mas ela falava como uma moça de 20 anos. Era muito engraçada e tinha uma desenvoltura magnífica. Todos os dias eu ia até seu trailer para ouvir algumas de suas histórias loucas, nem sempre acompanhado de meu pai ou minha mãe. Ela fazia um chá maravilhoso, além de sempre ter quantidades de bolo ou biscoito para alimentar um exército inteiro. Todos amavam ela, inclusive eu. Eu não sei porque, mas quase todas as minhas lembranças do estacionamento eram de sol fervoroso, forte, radiante, com apenas uma ou duas pequenas nuvens no céu. E a distância eu via algumas montanhas, que de tão longe se tornavam menores que meu polegar esticado. Mas há uma memória especifica que nunca saíra da minha mente, nem mesmo em meu leito de morte. O dia começou cinzento, e eu pude ver as mulheres tirando as roupas dos varais improvisados e chamando os filhos mais velhos para dentro do trailers e carregando os mais novos no colo. Todos se trancaram em seus trailers, e o estacionamento se transformou completo silêncio por alguns minutos. Fiquei olhando por uma janelinha, esperando os primeiros pingos de chuva cair. Foi uma chuva intensa, daquelas que não mudam de forte pra fraca várias vezes enquanto lavam o chão. Essa chuva se manteve forte do minuto que começou até o que se cessou. Meus pais foram se deitar e pareceram adormecer profundamente com o som maravilhoso que a chuva fazia batendo no teto de aço, enquanto eu fiquei debruçado na janela que tínhamos em nossa "sala". Então eu a vi. Vestida em um vestido amarelo rodado de alças que iam até os joelho, parecia ter saído do nada. Tinha os cabelos curtos grudados no rosto redondo por causa da chuva forte e não parava de sorrir nenhum minuto. Não vestia nenhum sapato e eu fiquei me perguntando se não doía seus pequenos pés no chão incrustado de pequenas pedrinhas soltas. Não tenho certeza se ela me viu, mas enquanto girava de braços abertos sorrindo pro céu, eu tenho certeza que nossos olhares se cruzaram pelo vidro do motor home. Até hoje fico triste por ela não estar perto o suficiente para eu ver a cor de seus olhos, mas quando ela vem me visitar em meus sonhos e me olha de perto é do verde mais brilhante que você pode imaginar. Deslumbrante. Mesmo de baixo da chuva gelada suas bochechas continuavam rosadas. Devia ter entre 14 e 16 anos de idade, mas não era muito alta. Ficou pelo estacionamento andando e dançando pelas duas horas que a chuva caiu . Então poucos segundos antes da chuva acabar, parece que em um piscar de olhos muito demorado que dei, ela sumiu, e então a chuva foi junto com ela. Eu abri a porta e pulei para fora, e corri pelo local, mas como uma fada ela partiu tão misteriosamente quanto chegou. Tentei descrever o melhor que eu pude a Baba, pois depois de perguntar a todos os que eu tinha feito amizade sobre a menina, era minha última chance. Mas ela também não sabia de nada. Não falei mais sobre esse assunto com meus pais ou com mais ninguém, pois não queria que achassem que eu estava ficando louco ou remoendo uma alucinação. Mas eu sei que eu não tinha inventado aquilo, que não era coisa só da minha cabeça. A menina do vestido amarelo era tão real quanto a chuva. Não ficamos no estacionamento mais de 4 meses. Eu ainda, toda vez que chove, não importa onde eu esteja, me debruço na janela mais próxima, esperando que possa ver aqueles pés descalços e cabelos molhados, girando e sorrindo. Mesmo que ela não saiba, que ninguém saiba, eu sei que ela estava sorrindo para mim.