Como de costume, ele despertou para ir trabalhar. Automaticamente colocou a água no fogão para ferver, contou seis colheres de açúcar e foi ao banheiro. Escovou os dentes enquanto observava seu semblante cansado no espelho, levou água até sua boca, gargarejou, cuspiu e se espreguiçou voltando à cozinha. Havia alguma coisa estranha, algo de errado dentro daquele ambiente. Ele procurava, não entendia o que era e por um momento refletiu, mas deu de ombros e pensou ser algo da sua cabeça. A água fervia e ele tratou de colocar o pó no coador, contou três colheres e passou. O cheiro forte, o barulho do café caindo na xícara e a fumaça subindo do copo era um de seus prazeres pela manhã. Foi até a janela segurando sua xícara e seu maço de cigarros, pegou um deles e observou seu jardim enquanto acendia. Foi então que ele entendeu o que havia de errado: Tudo estava muito escuro.
Ele se irritou com a situação, afinal tinha levantado de madrugada. Deveria ter dormido mais. Perguntou-se que horas eram e se dirigiu à sala, mas o relógio que lá estava marcava nove e quinze da manhã. Impossível. Ainda está de noite, este relógio deve estar quebrado. Não contente, pegou seu celular para confirmar as horas e, novamente, nove e quinze. Percebeu algumas mensagens de seu colega do trabalho que perguntava se tudo estava bem e porque ele não chegara ainda no serviço. Tomou o banho mais rápido da vida dele, colocou o terno sem gravata e saiu em disparada com o carro. Mas só até a esquina. O transito estava congestionado, buzinas frenéticas e gritos desesperados davam a trilha sonora. Pessoas passando pelo mesmo que ele; acordaram pensando ser cedo de mais, quando na verdade já era tarde.
Demorou até absorver o que estava acontecendo; era de noite, mas no relógio marcava-se um fuso-horário diferente. Decidiu então esfriar a cabeça e ligar o rádio, mas acabou escutando algo a respeito do “dia-noite”:
“[...]Sol. Os cientistas estão estudando o evento. O que sabemos até o momento é que a Terra está dividida. De um lado está claro, é dia. Do outro, apenas escuridão. [...]” – Nada mais faz sentido. Como isso é possível? Como a vida vai continuar se não houver o calor e a luz do Sol? Talvez a Terra estivesse girando mais devagar.
Assim que chegou ao trabalho, foi chamado para tentar entender junto aos seus colegas o que estava acontecendo, mas ficou quieto. Como seria a vida se isso fosse permanente? Uns diziam que o lado escuro receberia calor do lado claro e que a vida seria normalmente possível, já os mais religiosos acreditavam no fim do mundo e convenceram os demais a voltarem para suas casas e ficarem com seus entes queridos. Por um momento, ele pensou em fazer o mesmo mas não tinha ninguém. Sua família morava longe, seus pais já haviam falecido e a mulher que ele amava estava em outro país trabalhando. A moça, que negara três ofertas de empregos ótimos para ficar com ele, pediu para que dessa vez os dois fossem juntos, queria formar uma família mas o rapaz não conseguiu deixar a estabilidade do emprego que tanto batalhou para conseguir crescer. Se esse fosse o fim do mundo, ele passaria sozinho.
O escritório esvaziou rapidamente, todos foram lamentar a morte da Terra. Seu chefe saiu da sala vestindo o seu terno e apagando as luzes do local de trabalho. “Vamos! Vamos embora!” – O chefe gritava. Tudo o que passava em sua mente era a mulher que ele deixou escapar. Ficou pensativo, pensou em mudar de país, mas tinha medo do duvidoso. E quem não tem?
Seu celular tocou enquanto ele girava a chave para ligar o carro. Começou a suar frio quando viu quem estava ligando. Era ela. Mesmo longe, tinham uma conexão muito forte. Depois das saudações alegres, ela começou a falar em tons desesperados, entre choros e palavras. Ele imaginou o pior, sua respiração tornou-se ofegante, a pulsação ficou rápida, seu coração estava prestes a sair pela boca. Então tudo ficou quieto; ela parou de chorar e se manteve em silencio por alguns segundos. Sua respiração era tudo o que se ouvia. Quando finalmente se acalmou, disse:
“O que tenho pra dizer é muito grave. Estou muito triste por não poder ficar ao seu lado nesse momento.” – Começou a chorar de modo desesperado. “Nós temos apenas oito minutos. O Sol... Apagou!”
Mesmo que a mídia não divulgasse a informação, inevitavelmente seria publico em apenas oito minutos, pois essa é a distancia entre a Terra e o Sol na velocidade da luz. A parte iluminada agora contemplava a miragem de um astro inexistente, enganados pela luminosidade e por um falso calor. Sua amada, que estava no lado quente, olhava para o céu enquanto aceitava o destino da humanidade; esperar o oxigênio acabar ou todos morrerem congelados. No litoral; as ondas tornaram-se muito altas, o mar estava caótico e instável. Uma hora o nível elevado causava enchentes, outrora ficava abaixo demais. A Terra parecia estar balançando.
Todos acordaram acreditando ser muito cedo, mas na verdade era tarde. Ele estava tonto, não conseguia acreditar no que ela havia dito. Só podia ser brincadeira. Tudo vai acabar? Não somente os humanos, mas todos os animais, plantas, fungos e bactérias vão morrer. Os planetas vão vagar por aí sem rumo e se transformarão em cometas que consequentemente irão se chocar com algum outro. E ele, que sempre preferiu ver o nascer do Sol em sua própria companhia, aceitando a solidão, agora só queria a companhia de uma pessoa dentre bilhões para assistir ao astro morrer.
O quão pequeno somos nós e nossos pensamentos mais profundos diante de um evento como esse? Nossos desejos, a ganancia, vaidade, tudo isso agora é fútil. Talvez o nosso desejo seja fazer a diferença, marcar uma geração ou apenas servir de exemplo para nossos filhos, netos e bisnetos. Ficar marcado de alguma forma, conseguir riquezas, uma vida melhor. Mas se o mundo acabar, de que vale toda essa riqueza e essa marca? Mesmo se fizer história, quem vai contar e quem vai ouvir?
Diante de tudo isso, ele só queria estar do lado dela. Sem precisar falar nada, apenas esperando tudo ficar completamente escuro. E então o planeta ficou em silencio. Não se ouvia nem os grilos, pois também sabiam do seu destino. O céu, que fora esquecido pelas pessoas que não tinham mais tempo de olhar, agora era dono de quase todos os olhares da Terra.
E enfim, tudo se apagou. O mundo agora já não tem órbita, não tem caminho, não tem vida, passou a flutuar pelo espaço como um barquinho de papel quando deixado na agua. Lá está ele, parado no escuro, morrendo junto às pessoas ricas, com seu império de carros e joias preciosas. Todos completamente sozinhos. Tudo o que ele batalhou para conquistar não tem mais valor agora, e aquilo que foi deixado de lado era o que realmente importava. Ainda estavam no telefone quando ambos disseram: “Eu amo você.” – E apenas ela continuou. – “Quem sabe não nos reencontramos em algum outro lugar, meu amor.” – Tudo acabou rápido.
Não espere o Sol apagar para que você possa acender o amor, caso contrário, terá apenas oito minutos.